13. Predestinação.


13. Predestinação. 

O respeito que se deve a vítimas de fatos terríveis autorizaria os espíritas a negarem a providência, a aclamarem o acaso? A hora, o momento, o instante da morte há suscitado controvérsia. Porém, asseguram os espíritos que não é fatal, no verdadeiro sentido da palavra, senão o instante da morte.[1] Dizem que esse instante, pois, está prefixado, e não que morrer é inevitável aos mortais, porque ao núcleo do sujeito: instante, dirige-se o seu predicativo: fatal. Sobre o instante, pois, é que incide a fatalidade, não sobre a morte em si mesma. Razão pela qual Kardec decreta em sua exegese sumária que, no que afeta à morte, sim, nos encontramos sujeitos de uma maneira absoluta à inexorável lei da fatalidade, não podendo escapar à sentença que nos marca o fim da existência, nem ao gênero de morte que deva interromper seu curso.[2] Consta ainda que, seja qual for o perigo que nos ameace, se a hora de nossa morte não chegou, não morreremos; que não só Deus sabe de que gênero ela será, mas até nosso espírito não o ignora às vezes, por lhe ter sido revelado quando, no mundo espírita, escolhemos nossa vida terrena.[3] Decerto por isso é dito que a duração da vida da criança falecida pode ter sido, para o espírito nela encarnado, o complemento de existência interrompida antes do terme voulu: fim requerido.[4] O suicídio, premeditado ou não, frustra, desse modo, um tempo prefixado à nossa vida na Terra; donde ser possível que futura encarnação nos seja tão duradoura quanto não nos foi o tempo inconcluso da precedente vida abreviada; ou seja, se era nosso destino viver de 1970 a 2030, e praticamos suicídio em 2020, vindoura morte na condição de criança falecida aos dez anos de idade poderá ser o complemento de nossa existência interrompida antes daquele final exigido em 2030.[5] Se for destino a morte, assim se verificará; e mesmo a interferência de espíritos ocorrerá para tanto, sem que nenhuma lei natural seja desrespeitada. Caso devamos perecer alvejado por um raio, ser-nos-á inspirado que lá estejamos no local preciso; se devemos morrer da queda do alto de uma escada podre, ser-nos-á inspirado nela subir; caso, por outra, não devamos ser atingidos por um tiro, uma de duas: a pontaria do atirador será ofuscada, ou seremos inspirados a nos desviarmos da trajetória do projetil.[6] Então, exceto por suicídio, todos morrem no instante certo, quer individual, quer coletivamente. 

Para uns, o instante e o gênero de morte é expiação; para outros, provação. Não se supõe, todavia, a predestinação dos dolos ou das culpas dos causadores da morte de terceiros, porquanto ninguém encarna com a missão de fazer o mal;[7] tão só se supõe, com isso, a infalibilidade da divina lei, cuja matemática nos escapa. Também não se inocentam, aí, os negligentes e os criminosos; trata-se de saber, isto sim, por que a uns a sorte sorri, enquanto de outros, ela aparenta esquecer-se. Temerário fora dizer com certeza, mais ainda, com dureza, se há expiação, ou simples provação, em fatos pontuais; sobretudo acerca do gênero e do instante de óbitos. Nas partidas coletivas, por exemplo, pode haver: 1) simples prova escolhida por todos; 2) expiação necessária a todos; 3) concomitantemente, provação para uns; expiação para outros. A hora da morte, contudo, terá chegado para todo o grupo. O espírito errante, de ordinário, pensa diferentemente de quando está encarnado; pode ter conhecimento antecipado de momentos-chave de sua encarnação, donde se explicarem certas previsões depois confirmadas.[8] É que, no mundo espírita, o que melhor serviria ao seu adiantamento já lhe fora prefixado, sem embargo da liberdade de ação moral. Na Terra, porém, não é rara a hesitação dos mais fracos ante essas pré-escolhas dos tipos de provação. Portanto, o gênero e o instante da morte seriam fatais segundo a doutrina colhida por Kardec, pelo menos para os que não partem: 1) por suicídio; 2) por suicídio moral, o fim antecipado pelo excesso de paixões tornadas necessidades físicas.[9] Os que de um ou de outro jeito se retiram desta vida deverão responder, pois, por esse tempo malbaratado, seja em nova e mais curta encarnação, como vimos, ou doutra forma: padecendo penoso apego do espírito ao cadáver, estado que pode durar, outrossim, o tempo de vida abreviada pelo suicídio.[10] Seja como for, segundo o mestre espírita, não há falta sem penalidade; contudo não há regra absolta e uniforme nos meios de punição. Tudo é conforme atenuantes e agravantes.[11]



[1] O Livro dos Espíritos, 853. 

[2] O Livro dos Espíritos, 872. 

[3] O Livro dos Espíritos , 853-a. 

[4] O Livro dos Espíritos, 199; cf. RÓNAI, Paulo. Dicionário Francês-Português. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. 

[5] O Livro dos Espíritos, 199. 

[6] O Livro dos Espíritos, 526, 527 e 528. 

[7] O Livro dos Espíritos, 470. 

[8] O Livro dos Espíritos, 522. 

[9] O Livro dos Espíritos, 952. 

[10] O Céu e o Inferno. Segunda parte. Cap. V: O suicida da samaritana. Nota final. 

[11] O Céu e o Inferno. Segunda parte. Cap. V: O suicida da samaritana. Nota final.